PAUL CLAUDEL
Prólogo
Pedro de Craon, lanterna à mão, atravessa a cena em direção à porta da direita.
VIOLAINE, descendo a escada — Bonito, Mestre Pedro! É assim que se escapole de casa como um gatuno sem saudar corretamente as damas?
Violaine vai buscar fogo na lareira e acende a vela do crucifixo.
PEDRO DE CRAON — Vai embora, Violaine. É plena noite ainda, e estamos sozinhos... os dois.
E tu bem sabes que não sou assim tão seguro...
VIOLAINE — Não tenho medo de ti, ó pedreiro! Não é mau quem o quer!
E de mim não se faz o que se pretende!
Pobre Pedro! Não conseguiste sequer matar-me.
Com tua feia faca. Nada mais que um pequeno pique no braço, que ninguém percebeu.
PEDRO DE CRAON — Violaine, é preciso que me perdoes.
VIOLAINE — Foi para isso que vim.
PEDRO DE CRAON — Foste a primeira mulher que ousei tocar. O diabo, que espreita a ocasião, tomou conta de mim.
VIOLAINE — Mas eu fui mais forte que o diabo!
PEDRO DE CRAON — Violaine, eu sou agora mais perigoso ainda...
VIOLAINE — Iremos, então, lutar de novo?
PEDRO DE CRAON — Minha simples presença é por si mesma funesta.
VIOLAINE — Não compreendo...
Silêncio.
PEDRO DE CRAON — Não tinha eu bastante pedra a reunir, madeiras a juntar, metais a derreter,
A minha própria obra?
Para de repente levar a mão à de outro e cobiçar uma alma?
VIOLAINE — Na casa de meu pai, que te hospedou! Que diriam, meu Deus, se soubessem! Mas eu tudo escondi!
E todos te julgam, como dantes, homem leal e irrepreensível.
PEDRO DE CRAON — Deus julga o coração através da aparência.
VIOLAINE — Ficará tudo, então, entre nós três.
PEDRO DE CRAON — Violaine!
VIOLAINE — Mestre Pedro?
PEDRO DE CRAON — Põe-te debaixo da vela para que eu te veja bem.
Ela coloca-se, sorrindo, sob o crucifixo. Ele a contempla longamente.
VIOLAINE — Pronto. Já me olhaste bastante?
PEDRO DE CRAON — Quem és tu, ó moça, e que parte é esta que Deus em ti se reservou,
Para que a mão que te toque com desejo, e a própria carne, seja assim fulminada,
Como se tivera ousado aproximar o mistério da sua morada?
VIOLAINE — Que aconteceu, então, de um ano para cá?
PEDRO DE CRAON — Logo no dia seguinte a esse dia que sabes...
VIOLAINE — Que foi?
PEDRO DE CRAON — ...Reconheci no meu flanco o mal terrível.
VIOLAINE — O mal? Que mal é esse?
PEDRO DE CRAON — A lepra, a própria lepra de que fala a Escritura.
VIOLAINE — E o que é lepra?
PEDRO DE CRAON — Nunca ouviste falar daquela mulher que vivia sozinha nos rochedos,
Coberta da cabeça aos pés, campainha na mão sem dedos?
VIOLAINE — Oh, Mestre Pedro, é aquele mal?
PEDRO DE CRAON — Sim. E sua natureza é tal,
Que quem o concebeu em toda virulência
Deve ser logo posto de lado.
Pois não há mortal, por mais miserável que seja, que a lepra não possa corromper...
VIOLAINE — Como ficaste então em liberdade?
PEDRO DE CRAON — O Bispo dispensou-me, e tu bem vês que apareço pouco e raramente,
A não ser para dirigir meus operários, e a minha lepra está ainda encoberta.
E quem, sem mim, levaria às núpcias essas nascentes igrejas de que Deus me confiou o encargo?
VIOLAINE — Foi por isto que não te viram dessa vez em Combernon?
PEDRO DE CRAON — Eu não podia deixar de vir aqui,
Pois minha tarefa é abrir o flanco de Monsanvierge,
E cavar a parede cada vez que um novo voo de pombas quer entrar na alta arca, de que só para os céus os postigos se abrem...
E desta vez era uma hóstia ilustre que levávamos para o altar, um nobre turíbulo,
A própria Rainha, mãe do Rei, subindo em pessoa
Pelo filho despojado do reino.
Agora volto a Rheims.
VIOLAINE — Fazedor de portas, deixa-me abrir-te esta aqui.
PEDRO DE CRAON — Não havia cá outra pessoa para prestar-me tal serviço?
VIOLAINE — A criada gosta de dormir e deu-me as chaves sem custo.
PEDRO DE CRAON — Não tens medo e horror do leproso?
VIOLAINE — Deus está aqui; ele me guardará.
Violaine abre a porta: ela e Pedro de Craon contemplam longamente a campina.
VIOLAINE — Fez bem a todo mundo esse pouco de chuva.
PEDRO DE CRAON — Não haverá pó pelo caminho.
VIOLAINE, baixinho, ternamente — Paz sobre ti, ó Pedro!
Soa em Monsanvierge o “Angelus”: o Coro canta o “Regina Coeli, laetare, laetare”
Violaine faz lentamente o sinal da cruz, enquanto Pedro, rápido, o traça no peito.
PEDRO DE CRAON — É hora de partir.
VIOLAINE — Sabes bem o caminho? Primeiro esta cerca.
Depois aquela casa no bosque de sabugueiros com cinco ou seis colmeias.
E em seguida, a menos de cem passos, a estrada real virá.
Pausa.
PEDRO DE CRAON — Pax tibi.
Como toda a criação está com Deus num mistério profundo!
O que estava oculto torna-se visível com Ele e sinto no meu rosto o fresco sopro da rosa.
Louva o teu Deus, terra bendita, na escuridão e no pranto!
O fruto é para o homem, mas a flor é para Deus, e o odor de tudo que nasce.
Assim, da santa alma escondida, o odor, como o da folha de hortelã, manifestou a virtude.
Violaine, que me abriste a porta, adeus!
Não virei mais ao teu encontro.
Ó jovem árvore da ciência do Bem e do Mal, eis que começo a desagregar-me porque pus a mão sobre ti.
E já meu corpo e minh’alma se separam, como o vinho, no lagar, dos cachos esmagados!
Que importância tem isto? Eu não precisava de mulher. Não possuí mulher corruptível.
O homem que preferiu a Deus no coração vê, quando morre, o Anjo que o guardava.
Virá breve o tempo em que outra porta se dissolva.
Quando aquele que agradou a pouca gente no mundo adormecer, acabado o trabalho, nos braços do eterno Pássaro:
Através dos muros transparentes, de todos os lados, surgirá o sombrio Paraíso.
E os turíbulos da noite mesclarão seu odor ao da mecha infecta que se extingue...
VIOLAINE — Pedro de Craon, eu sei que não esperas de mim falsos suspiros e “Pobre homem!” e “Pobre Pedro!”.
Pois para quem sofre não têm valor algum as consolações de um consolador alegre, seu mal não sendo para nós o que é para ele.
Sofre com Nosso Senhor.
Mas fica sabendo que tua má ação foi apagada;
No que depende de mim, estou em paz contigo.
E não te desprezo ou detesto por causa do mal que te fere.
Mas te tratarei como homem são, e Pedro de Craon, nosso velho amigo, que amo, respeito e temo.
É a pura verdade, eu te afirmo.
PEDRO DE CRAON — Obrigado, Violaine.
VIOLAINE — E agora, quero perguntar-te uma coisa.
PEDRO DE CRAON — Fala.
VIOLAINE — Que bela história é esta que meu pai nos contou? Que “Justiça” constróis em Rheims, mais bela que Saint-Rémy e Notre-Dame?
PEDRO DE CRAON — É a igreja que os trabalhadores de Rheims me encomendaram no antigo Parque das Ovelhas,
Justamente no local em que o velho edifício pegou fogo.
VIOLAINE — E de onde vem esse nome dado à nova paróquia?
PEDRO DE CRAON — Não ouviste jamais falar de Santa Justiça, que foi martirizada no tempo do Imperador Juliano num campo de anis
(Esses grãos que se colocam em nosso pão nas feiras da Páscoa)?
Tentando desviar, para lançar os alicerces, uma fonte subterrânea,
Encontramos seu túmulo com a inscrição na laje partida em duas: JUSTITIA ANCILLA DOMINI IN PACE.
O frágil crânio estava esmagado como casca de noz (era uma criança de oito anos!)
E viam-se alguns dentes de leite, presos ainda ao maxilar.
Rheims inteira se enche de espanto, e muitos milagres acompanham o corpo,
Que colocamos numa capela até o fim da obra.
Mas deixamos os pequeninos dentes, como semente, no grande bloco da base.
VIOLAINE — Que bela história! Mas meu pai nos disse também que todas as damas de Rheims dão as suas joias para a construção da Justiça...
PEDRO DE CRAON — Temos, de fato, uma pilha, e judeus ao redor feito mosca.
Violaine, de olhos baixos, faz girar hesitante, no quarto dedo, um grande anel dourado.
PEDRO DE CRAON — Que anel é esse, Violaine?
VIOLAINE — É um anel que Jacques me deu.
Silêncio.
PEDRO DE CRAON — Meus parabéns.
Ela estende-lhe o anel.
VIOLAINE — Não está ainda decidido. Meu pai não disse nada.
Pois bem, eis o que eu queria dizer-te.
Toma o meu belo anel, que é tudo o que possuo, e que Jacques me deu em segredo.
PEDRO DE CRAON — Não o quero.
VIOLAINE — Toma-o depressa, ou não terei coragem de desfazer-me dele...
Ele recebe o anel.
PEDRO DE CRAON — E que dirá teu noivo?
VIOLAINE — Ainda não é meu noivo de verdade...
E a ausência de um anel não muda o coração. Ele me conhece bem. Dar-me-á um outro de prata.
Este aí, era belo demais para mim.
PEDRO DE CRAON, examinando-o —Ele é de ouro vegetal, tal como outrora os fabricavam, com uma liga de mel.
É mole como a cera, mas nada o pode quebrar.
VIOLAINE — Jacques o encontrou na terra que lavrava, num lugar onde se encontram por vezes velhas espadas verdes e belos cacos de vidro.
E eu tinha receio de trazer comigo essa coisa pagã que pertencera aos mortos.
PEDRO DE CRAON — Aceito esse ouro puro.
VIOLAINE — E beija, em meu lugar, a minha irmã Justiça.
PEDRO DE CRAON, olhando-a de repente, como quem foi assaltado por uma ideia — E é tudo o que tens a dar? Esse pouco de ouro tirado do dedo?
VIOLAINE — Não chega ao menos para uma pedra pequena?
PEDRO DE CRAON — Mas Justiça, ela é uma grande pedra.
VIOLAINE, rindo — Nós não somos, então, da mesma pedreira.
PEDRO DE CRAON — A pedra que é preciso para o cimo não é a mesma da base.
VIOLAINE — Uma pedra, se eu sou alguma, que seja a pedra ativa, que mói o grão a outra pedra unida.
PEDRO DE CRAON — Justiça não passava também de uma simples menina ao lado da mãe,
Até o momento em que Deus a chamou para confessá-lo.
VIOLAINE — Mas ninguém me quer mal! Sera preciso que eu vá pregar o Evangelho aos sarracenos?
PEDRO DE CRAON — Não cabe à pedra escolher seu lugar, mas ao mestre de obra que a escolheu.
VIOLAINE — Louvado então seja Deus, que me deu logo o meu lugar, e não preciso mais procurá-lo. E não peço de modo algum qualquer outro.
Eu sou Violaine, tenho dezoito primaveras, meu pai se chama Anne Vercors e minha mãe Elisabeth.
Mara é minha irmã, Jacques meu noivo.
Pronto, está tudo acabado. Não há nada mais a saber.
Tudo está perfeitamente claro, antecipadamente marcado, e estou contente com tudo.
Sou livre, não preciso preocupar-me com nada, pois um outro me conduz, coitado dele, que sabe tudo o que é preciso fazer!
Semeador de campanários, vem, vem a Combernon! Nós te daremos pedra e madeira, mas não terás a filha da casa!
E, aliás, já não é aqui casa de Deus, terra de Deus, serviço de Deus?
Não é nossa única tarefa o Monsanvierge, que temos de nutrir e guardar, fornecendo-lhe o pão, o vinho e a cera,
Cabendo-nos apenas essa área de anjos de asas meio abertas?
Assim como os grandes senhores têm o seu pombal, temos também o nosso, que se reconhece de longe.
PEDRO DE CRAON — Outrora, passando pela floresta de Fisme, ouvi dois belos carvalhos que conversavam,
Louvando a Deus que os havia feito inabaláveis no lugar em que nasceram.
Agora, na proa de um navio, um faz a guerra aos turcos no Oceano,
E o outro, cortado à minha vista, atravessado na torre de Laon,
Sustenta Joana, o bom sino, cuja voz se escuta a dez léguas.
Na nossa profissão, ó moça, não temos os olhos no bolso. Reconheço a boa pedra debaixo dos zimbros, e distingo, como o pica-pau, a boa madeira:
Assim também os homens e as mulheres.
VIOLAINE — Mas não as moças, Mestre Pedro! Isso é fino demais para o teu faro.
E, aliás, não há nada a conhecer em mim.
PEDRO DE CRAON, a meia voz — Tu o amas muito, Violaine?
VIOLAINE, de olhos baixos — É um grande mistério entre nós dois.
PEDRO DE CRAON — Bendita sejas no teu casto coração!
A santidade não consiste em se fazer lapidar pelos turcos ou beijar o leproso na boca.
Mas em cumprir sem demora a ordem de Deus.
Seja essa ordem ficar no lugar em que estamos,
Ou subir mais alto.
VIOLAINE — Ah! como o mundo é belo e como eu sou feliz!
PEDRO DE CRAON, a meia voz — Ah! como o mundo é belo e como eu sou desgraçado!
VIOLAINE, apontando o dedo para o céu — Homem da cidade, escuta!
Pausa.
Ouves, lá no alto, essa pequena alma que canta?
PEDRO DE CRAON — É a cotovia!
VIOLAINE — É a cotovia, aleluia! A cotovia da terra cristã, aleluia, aleluia!
Não a ouves gritar quatro vezes em seguida hi! hi! hi! hi! mais alto, mais alto?
Não a vês, asas abertas, pequena cruz veemente, como os serafins que são só asas sem pés, e uma voz perfurante diante do trono de Deus?
PEDRO DE CRAON — Sim, eu a estou escutando.
E foi assim que a escutei uma vez ao nascer do dia, na dedicação de minha filha, Notre-Dame de la Couture,
E um pouco de ouro brilhava na ponta extrema dessa grande coisa que eu fizera, como uma estrela nova!
VIOLAINE — Pedro de Craon, se tivesses usado de mim a teu gosto,
Serias acaso mais feliz agora, e seria eu mais bela?
PEDRO DE CRAON — Não, Violaine.
VIOLAINE — E seria eu ainda essa mesma Violaine que tu amas?
PEDRO DE CRAON — Não ela, mas outra.
VIOLAINE — E que será melhor, ó Pedro? Repartir contigo minha alegria ou partilhar a tua dor?
PEDRO DE CRAON — Canta no mais alto do céu, cotovia da França.
VIOLAINE — Perdoa-me por ser assim feliz, e porque aquele que amo
Me ama também, e estou certa dele, e tudo é calma entre nós.
E porque Deus me fez para ser feliz, e não para o mal, e não para a dor.
PEDRO DE CRAON — Sobe para o céu num só voo!
Quanto a mim, para subir um pouco, é-me preciso toda a obra de uma catedral e seus profundos alicerces.
VIOLAINE — E dize-me que perdoas a Jacques casar-se comigo.
PEDRO DE CRAON — Não, isto não lhe perdoo.
VIOLAINE — O ódio não te faz bem, Pedro, e me entristeces com ele.
PEDRO DE CRAON — És tu que me fazes falar. Por que forçar-me a mostrar a terrível chaga escondida?
Deixa-me partir, e nada mais me perguntes.
Não nos veremos mais.
Afinal, levo comigo o anel que ele te deu!
VIOLAINE — Deixa o teu ódio no lugar, e um dia o devolverei, quando precisares dele.
PEDRO DE CRAON — Na verdade, Violaine, eu sou bem desgraçado!
É duro ser leproso e trazer em si a chaga infame, sabendo que não vai sarar e nada adianta fazer,
Mas que cada dia ela avança e penetra,
E ser sozinho, e suportar o próprio veneno, e se sentir em vida corromper-se!
E não a morte uma só vez, mas dez vezes saboreá-la, sem nada perder até o fim da terrível alquimia da cova!
Foste tu que me fizeste este mal com a tua beleza, pois eu era, antes de ver-te, alegre e puro,
Com o coração no meu trabalho, inteiro, e o pensamento sob as ordens de outro.
E agora que chegou minha vez de comandar, e que o desenho é buscado comigo,
Eis que te voltas para mim com teu sorriso cheio de veneno!
VIOLAINE — O veneno não estava em mim, ó Pedro.
PEDRO DE CRAON — Eu sei, em mim é que estava e estará sempre.
Mas esta carne doente não conseguiu curar a alma atingida!
Ó meu amor, seria possível ver-te sem te amar em seguida?
VIOLAINE — Ah! tu mostraste bem que me amavas!
PEDRO DE CRAON — É culpa minha que o fruto penda do ramo?
E qual aquele que ama, e não quer do amado a posse inteira?
VIOLAINE — Foi por isso que tentaste destruir-me?
PEDRO DE CRAON — O homem ultrajado tem, como a mulher, as suas trevas.
VIOLAINE — Que mal, que mal te fiz eu?
PEDRO DE CRAON — Ó imagem da Beleza eterna, tu não és para mim!
VIOLAINE — Eu não sou imagem nenhuma! Não digas isso.
PEDRO DE CRAON — Um outro toma em ti o que era meu.
VIOLAINE — Fica a imagem.
PEDRO DE CRAON — Um outro me toma Violaine,
E deixa-me essa carne corrompida e o espírito devorado...
VIOLAINE — Sê homem, Pedro! Sê digno da chama que te consome!
E se é preciso ser devorado, que seja num candelabro de ouro como o Círio Pascal em pleno coro, para a glória de Deus e da Igreja!
PEDRO DE CRAON — Tantas cumeeiras sublimes! Não verei eu jamais a de minha pequena casa entre as árvores?
Tantos campanários cuja sombra, girando, escreve a hora na cidade inteira!
Não farei eu jamais o desenho de um forno e o do quarto das crianças?
VIOLAINE — Era preciso que eu não tomasse para mim sozinha o que pertence a todos.
PEDRO DE CRAON — Violaine, quando será o casamento?
VIOLAINE — Creio que lá por São Miguel, terminada a colheita.
PEDRO DE CRAON — Nesse dia, quando os sinos de Monsanvierge houverem calado, apura o ouvido, e ouvirás, de longe, Rheims responder.
VIOLAINE — Quem cuidará de ti?
PEDRO DE CRAON — Sempre vivi como operário; basta-me um pouco de palha entre duas pedras, uma roupa de couro e toicinho no pão.
VIOLAINE — Pobre Pedro!
PEDRO DE CRAON — Não é disso que é preciso ter pena; nós vivemos à parte.
Não no mesmo nível que os outros, mas sempre sob a terra, com os alicerces; ou no céu, com o campanário.
VIOLAINE — Vês? Não teríamos sido um bom casal! Nunca pude subir ao celeiro sem rodar-me a cabeça!
PEDRO DE CRAON — Essa igreja, só ela será minha mulher, que vai ser tirada do meu lado, Eva de pedra no sono da minha dor.
Possa eu bem cedo sentir erguer-se sob os meus pés a minha imensa construção, pousar a mão nessa coisa indestrutível que eu fiz e se mantém inteira, — a obra bem fechada que construí de pedra forte a fim de que o princípio nela tenha começo e Deus a viesse habitar!
Nunca mais descerei!
VIOLAINE — É preciso descer. Quem sabe se não terei, um dia, necessidade de ti?
PEDRO DE CRAON — Adeus, Violaine, minha vida, nunca mais te verei!
VIOLAINE — Quem poderá saber?
PEDRO DE CRAON — Adeus, Violaine.
Quanta coisa já fiz! Quanto resta ainda a fazer
De sombra para Deus,
Para que a hóstia lhe possa residir no meio como na penumbra da alma humana.
Levo o teu anel. Quem sabe se não levo, nele, a alma de Violaine?
A alma de Violaine minha amiga, na qual meu coração se compraz.
A alma de Violaine minha filha, da qual faça uma igreja!
Mara Vercors entrou e os observa, sem que a vejam, do alto da escada.
VIOLAINE — Adeus, Pedro!
PEDRO DE CRAON — Adeus, Violaine!
VIOLAINE — Pobre Pedro!
Aqui o beijo, que deve ser administrado com toda a solenidade. Violaine toma a cabeça de Pedro entre as mãos, e lhe aspira a alma.
Mara faz um gesto de espanto e sai em seguida.
(extraído de: CLAUDEL, Paul. O anúncio feito a Maria: versão definitiva para a cena. Tradução de Dom Marcos Barbosa, O.S.B. 2. ed. Rio de Janeiro: Agir, 1968. prólogo, p. 17-37)
1º bimestre, atividade 2
10/2/2012
A partir do que o diálogo entre os personagens vai sugerindo no texto acima, como você descreveria Pedro de Craon e Violaine? Se quiser, pode usar pequenos trechos das falas, entre aspas, para exemplificar o modo como você os vê.
Escreva de 5 a 10 linhas para caracterizar cada personagem.
Formato: fonte Times New Roman, corpo 12, entrelinha 1,5.
Salve o arquivo como 8EF_102_Seu nome e envie-o anexado por e-mail ao professor, com o assunto 8EF.
Nenhum comentário:
Postar um comentário