terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

1EM: Introdução aos estudos literários

Enquanto a chuva cai

Manuel Bandeira

A chuva cai. O ar fica mole...
Indistinto... ambarino... gris...
E no monótono matiz
Da névoa enovelada bole
A folhagem como o bailar.

Torvelinhai, torrentes do ar!

Cantai, ó bátega chorosa,
As velhas árias funerais.
Minh'alma sofre e sonha e goza
À cantilena dos beirais.

Meu coração está sedento
De tão ardido pelo pranto.
Dai um brando acompanhamento
À canção do meu desencanto.

Volúpia dos abandonados...
Dos sós... — ouvir a água escorrer,
Lavando o tédio dos telhados
Que se sentem envelhecer...

Ó caro ruído embalador,
Terno como a canção das amas!
Canta as baladas que mais amas, 
Para embalar a minha dor!

A chuva cai. A chuva aumenta.
Cai, benfazeja, a bom cair!
Contenta as árvores! Contenta
As sementes que vão abrir!

Eu te bendigo, água que inundas!
Ó água amiga das raízes,
Que na mudez das terras fundas
Às vezes são tão infelizes!

E eu te amo! Quer quando fustigas
Ao sopro mau dos vendavais
As grandes árvores antigas, 
Quer quando mansamente cais.

É que na tua voz selvagem,
Voz de cortante, álgida mágoa,
Aprendi na cidade a ouvir
Como um eco que vem na aragem
A estrugir, rugir e mugir,
O lamento das quedas-d'água!


Canção do amor imprevisto

Mario Quintana

Eu sou um homem fechado.
O mundo me tornou egoísta e mau.
E a minha poesia é um vício triste,
Desesperado e solitário
Que eu faço tudo por abafar.

Mas tu apareceste com a tua boca fresca de madrugada,
Com o teu passo leve,
Com esses teus cabelos...

E o homem taciturno ficou imóvel, sem compreender
nada, numa alegria atônita...

A súbita, a dolorosa alegria de um espantalho inútil
Aonde viessem pousar os passarinhos.


Antes de viajar

Eugenio Montale
(tradução de Geraldo Holanda Cavalcanti)

Antes de viajar examinam-se os horários,
as conexões, as escalas, os pernoites
e as reservas (de quarto com banheira
ou chuveiro, com uma cama ou duas ou logo de uma vez um flat);
consulta-se
o guia Hachette e os dos museus,
faz-se o câmbio, separam-se
os francos dos escudos, os rublos dos copeques,
antes de viajar informa-se
a algum amigo ou parente, controlam-se
valises e passaportes, completa-se
o enxoval, compra-se uma reserva
de lâminas de barbear, ocasionalmente
dá-se uma olhada no testamento, pura
superstição porque os desastres aéreos
em termos percentuais não são nada;
                                                antes
de viajar está-se tranquilo mas suspeita-se que
o homem sábio não se move e que o prazer
de voltar para casa custa um despropósito.
E após parte-se e tudo é O.K. e tudo
acontece da melhor maneira e é inútil
............................................................................
                                   E agora o que será
da minha viagem?
Com demasiado cuidado a preparei
sem saber nada dela. Um imprevisto
é a única esperança. Mas me dizem
que é uma bobagem dizê-lo.

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