terça-feira, 27 de junho de 2017
sexta-feira, 26 de maio de 2017
3EM: Modernismo
Oswald de Andrade
Leitura do artigo Ruptura e incorporação: a utopia antropofágica de Oswald de Andrade, de Ricardo Luiz de Souza.
Leitura do artigo Ruptura e incorporação: a utopia antropofágica de Oswald de Andrade, de Ricardo Luiz de Souza.
quinta-feira, 2 de março de 2017
2EM: Produção de resumo
Resuma, num texto de 12 a 15 linhas, o artigo Ombudsgirl, de Roseli Fischmann.
quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017
2EM: Produção de resumo
O texto a seguir é de tipo predominantemente argumentativo. Levando isso em consideração, resuma-o em no mínimo 12 e no máximo 15 linhas.
Lições do churrascão
A polêmica da estação Angélica parece indicar que os paulistanos se cansaram de projetos anunciados e desmentidos ao sabor das pressões de interesses
Raquel Rolnik
Em protesto contra a reação negativa de moradores de Higienópolis, um dos bairros mais nobres de São Paulo, à construção de uma estação de metrô na Avenida Angélica, internautas marcaram através do Facebook um churrascão em frente ao Shopping Higienópolis. A polêmica estourou na web a partir do anúncio, por parte da Companhia do Metrô, de que a nova estação da Linha 6 não seria mais localizada na Angélica. Na sexta-feira pela manhã, quando o proponente decidiu cancelar o churrasco, quase 50 mil pessoas já haviam aderido ao protesto e o assunto ganhara as páginas dos jornais, com discussões técnicas sobre a localização da estação, análises sociológicas sobre o comportamento dos moradores contra e a favor da estação e declarações de representantes do Metrô procurando negar qualquer motivação que não fosse "estritamente técnica" em sua decisão.
Para além do debate sobre a melhor localização da nova estação, e até mesmo da prioridade dessa estação (e dessa linha!) em relação às gigantescas demandas de transporte coletivo de qualidade na região metropolitana de São Paulo, a polêmica dos últimos dias finalmente desnudou dois temas da maior importância para o urbanismo brasileiro, cuja discussão esteve restrita até agora a pequenos círculos acadêmicos e, com esse debate, ganha as ruas da cidade.
O primeiro tem a ver com o modelo de cidade que tem orientado o desenvolvimento de São Paulo (e das cidades brasileiras) pelo menos desde o final do séc 19: um urbanismo segundo o qual "qualidade" é sinônimo de "exclusividade". Sua produção e hegemonia na política urbana se sustentam por meio de uma coalizão de interesses econômicos com grande capacidade de influenciar as decisões políticas de investimentos e legislação na cidade.
O nascimento do bairro de Higienópolis no final do século 19, na sequência de empreendimentos semelhantes (Campos Elísios, Vila Buarque, Av. Paulista) revela este mecanismo: o abandono dos velhos sobrados de taipa no triângulo central por chateaux, chalets e cottages circundados por jardins nos novos bairros se beneficiou da construção do Viaduto do Chá, em um movimento que aliou uma reterritorialização das elites ao emergente negócio de terras — o loteamento. Foi essa a trajetória de d. Angélica, filha do Barão de Souza Queiroz, que, ao deixar de viver em sua fazenda, em 1874, fixou residência na Chácara das Palmeiras, onde mandou edificar na esquina da Angélica com a Al. Barros uma réplica do castelo de Charlottenburg, conforme planos, materiais e decoração encomendados na Alemanha.
O prestígio dessas nobres residências contribuiu indubitavelmente para o sucesso dos "loteamentos exclusivos", abertos na cidade na década de 1890. Sua localização — a Chácara do Carvalho e o Palácio de Elias Chaves nos Campos Elísios, o palacete da Vila Maria na Vila Buarque e o palacete de d. Angélica em Higienópolis — coincidia exatamente com a dos primeiros empreendimentos desse tipo. A construção do Viaduto do Chá foi fundamental para essa marcha ao sudoeste que se seguiria. Sua instalação viabilizaria os mais importantes empreendimentos imobiliários do final do século 19: Higienópolis e Paulista. Neles se envolveram proprietários de terras, investidores potenciais, engenheiros e políticos.
Na esteira de investimentos urbanos (esses bairros já eram abertos contando com rede de água, esgoto, gás e bonde, quando seus contemporâneos bairros operários Brás e Mooca, por exemplo, demoraram décadas para receber a mesma infraestrutura), uma legislação urbanística garantia a exclusividade, definindo um padrão de grandes lotes, uso exclusivamente residencial e obrigatoriedade de recuos. A verticalização do bairro de Higienópolis, que se intensificou a partir dos anos 70, mudou esse perfil, mas não desconstruiu, simbolicamente, o projeto.
A resistência que o bairro tem hoje para receber uma estação de metrô está justamente relacionada com a sua possível popularização e, consequentemente, a desvalorização imobiliária — uma postura rejeitada por muitos, inclusive moradores do próprio bairro, como bem demonstram as manifestações dos internautas, que ao rejeitá-la, afirmam o desejo de uma cidade heterogênea, multiclassista, multiétnica e multifuncional.
A direção do Metrô afirmou em nota oficial que a decisão de mudar a localização da estação se deu por razões técnicas (excessiva proximidade entre as estações Angélica e Higienópolis/Mackenzie) e não para atender à solicitação de moradores insatisfeitos. Entretanto, os anúncios (e "desanúncios") de linhas e estações, metrôs que viram monotrilhos e corredores de ônibus que aparecem e desaparecem dos "planos" do governo evidenciam um segundo ponto essencial que bloqueia o desenvolvimento de um urbanismo de qualidade para todos: o processo decisório dos investimentos da cidade.
Na ausência de um processo de planejamento estável — aliado a uma estratégia urbanística pactuada coletivamente na cidade —, os planos e projetos são anunciados e desmentidos ao sabor das pressões dos interesses que conseguem ter acesso à mesa de decisão. Aqui, mais uma vez, convergem de forma perversa coalizões de interesses econômicos enlaçados — por relações pessoais ou de classe — com interesses políticos.
O recado que a polêmica da estação Angélica parece dar é que os cidadãos paulistanos estão cada vez mais cansados desse modelo.
Raquel Rolnik é urbanista, professora da Faculdade
de Arquitetura e Urbanismo da USP.
de Arquitetura e Urbanismo da USP.
(extraído de: O Estado de S. Paulo, 14 maio 2011.)
terça-feira, 21 de fevereiro de 2017
1EM: Introdução aos estudos literários
Enquanto a chuva cai
Manuel Bandeira
A chuva cai. O ar fica mole...
Indistinto... ambarino... gris...
E no monótono matiz
Da névoa enovelada bole
A folhagem como o bailar.
Torvelinhai, torrentes do ar!
Cantai, ó bátega chorosa,
As velhas árias funerais.
Minh'alma sofre e sonha e goza
À cantilena dos beirais.
Meu coração está sedento
De tão ardido pelo pranto.
Dai um brando acompanhamento
À canção do meu desencanto.
Volúpia dos abandonados...
Dos sós... — ouvir a água escorrer,
Lavando o tédio dos telhados
Que se sentem envelhecer...
Ó caro ruído embalador,
Terno como a canção das amas!
Canta as baladas que mais amas,
Para embalar a minha dor!
A chuva cai. A chuva aumenta.
Cai, benfazeja, a bom cair!
Contenta as árvores! Contenta
As sementes que vão abrir!
Eu te bendigo, água que inundas!
Ó água amiga das raízes,
Que na mudez das terras fundas
Às vezes são tão infelizes!
E eu te amo! Quer quando fustigas
Ao sopro mau dos vendavais
As grandes árvores antigas,
Quer quando mansamente cais.
É que na tua voz selvagem,
Voz de cortante, álgida mágoa,
Aprendi na cidade a ouvir
Como um eco que vem na aragem
A estrugir, rugir e mugir,
O lamento das quedas-d'água!
Canção do amor imprevisto
Mario Quintana
Eu sou um homem fechado.
O mundo me tornou egoísta e mau.
E a minha poesia é um vício triste,
Desesperado e solitário
Que eu faço tudo por abafar.
Mas tu apareceste com a tua boca fresca de madrugada,
Com o teu passo leve,
Com esses teus cabelos...
E o homem taciturno ficou imóvel, sem compreender
nada, numa alegria atônita...
A súbita, a dolorosa alegria de um espantalho inútil
Aonde viessem pousar os passarinhos.
Manuel Bandeira
A chuva cai. O ar fica mole...
Indistinto... ambarino... gris...
E no monótono matiz
Da névoa enovelada bole
A folhagem como o bailar.
Torvelinhai, torrentes do ar!
Cantai, ó bátega chorosa,
As velhas árias funerais.
Minh'alma sofre e sonha e goza
À cantilena dos beirais.
Meu coração está sedento
De tão ardido pelo pranto.
Dai um brando acompanhamento
À canção do meu desencanto.
Volúpia dos abandonados...
Dos sós... — ouvir a água escorrer,
Lavando o tédio dos telhados
Que se sentem envelhecer...
Ó caro ruído embalador,
Terno como a canção das amas!
Canta as baladas que mais amas,
Para embalar a minha dor!
A chuva cai. A chuva aumenta.
Cai, benfazeja, a bom cair!
Contenta as árvores! Contenta
As sementes que vão abrir!
Eu te bendigo, água que inundas!
Ó água amiga das raízes,
Que na mudez das terras fundas
Às vezes são tão infelizes!
E eu te amo! Quer quando fustigas
Ao sopro mau dos vendavais
As grandes árvores antigas,
Quer quando mansamente cais.
É que na tua voz selvagem,
Voz de cortante, álgida mágoa,
Aprendi na cidade a ouvir
Como um eco que vem na aragem
A estrugir, rugir e mugir,
O lamento das quedas-d'água!
Canção do amor imprevisto
Mario Quintana
Eu sou um homem fechado.
O mundo me tornou egoísta e mau.
E a minha poesia é um vício triste,
Desesperado e solitário
Que eu faço tudo por abafar.
Mas tu apareceste com a tua boca fresca de madrugada,
Com o teu passo leve,
Com esses teus cabelos...
E o homem taciturno ficou imóvel, sem compreender
nada, numa alegria atônita...
A súbita, a dolorosa alegria de um espantalho inútil
Aonde viessem pousar os passarinhos.
Antes de viajar
Eugenio Montale
(tradução de Geraldo Holanda Cavalcanti)
Antes de viajar examinam-se os horários,
as conexões, as escalas, os pernoites
e as reservas (de quarto com banheira
ou chuveiro, com uma cama ou duas ou logo de uma vez um flat);
consulta-se
o guia Hachette e os dos museus,
faz-se o câmbio, separam-se
os francos dos escudos, os rublos dos copeques,
antes de viajar informa-se
a algum amigo ou parente, controlam-se
valises e passaportes, completa-se
o enxoval, compra-se uma reserva
de lâminas de barbear, ocasionalmente
dá-se uma olhada no testamento, pura
superstição porque os desastres aéreos
em termos percentuais não são nada;
antes
de viajar está-se tranquilo mas suspeita-se que
o homem sábio não se move e que o prazer
de voltar para casa custa um despropósito.
E após parte-se e tudo é O.K. e tudo
acontece da melhor maneira e é inútil
............................................................................
E agora o que será
da minha viagem?
Com demasiado cuidado a preparei
sem saber nada dela. Um imprevisto
é a única esperança. Mas me dizem
que é uma bobagem dizê-lo.
sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017
3EM: Lima Barreto
Faça a leitura e o fichamento de:
VIEIRA, Keila. O social em Lima Barreto. Revista de Letras, v. 1, n. 25, 2003. Disponível em: <http://200.129.29.202/index.php/revletras/article/view/2240/1710>.
VIEIRA, Keila. O social em Lima Barreto. Revista de Letras, v. 1, n. 25, 2003. Disponível em: <http://200.129.29.202/index.php/revletras/article/view/2240/1710>.
quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017
2EM: Produção de resumo
Debaixo deste angu não tem caroço
Dias Lopes
Talvez por ressaca moral, pelo fato de termos submetido os negros da África Ocidental à brutalidade da escravidão, atribuímos a eles a gloriosa invenção da feijoada. Teriam desenvolvido a receita na senzala, aproveitando os “restos” do porco “desprezados” pela casa grande: orelha, focinho, pé, rabo e língua. Não passa de versão romântica. Os ingredientes e a técnica de preparo mostram a origem lusitana da feijoada. Para completar, os portugueses e descendentes brasileiros jamais desprezaram os miúdos suínos.
Seria também um prato generoso demais para consumo de escravos submetidos a condições tão desumanas que não mereciam sequer o direito de se prover de alimentos. Como mostra Eduardo Frieiro no livro Feijão, angu e couve (Belo Horizonte: Itatiaia, 1982), a comida que recebiam “consistia no estritamente necessário para que os ‘fôlegos vivos’ (como eram chamados) não se enfraquecessem demais ou não morressem de desnutrição, com grave prejuízo dos trabalhos que deles se exigia”.
Se houve algum prato de escravo foi o angu, uma papa ou pirão à base de farinha de milho ou então de mandioca, completamente sem sal. Surgiram ainda o de arroz e o de banana cozida. Atualmente, tende-se a considerar angu apenas o preparado com fubá. O de mandioca é chamado de pirão. Sim, esporadicamente os escravos recebiam feijão para comer, porém da pior qualidade, conforme Frieiro.
Estrangeiros que visitaram o Brasil testemunharam a pobreza e monotonia da dieta desumana dos negros. “É fazendo cozer o fubá na água, sem acrescentar sal, que se faz essa espécie de polenta grosseira que se chama angu e constitui o principal alimento dos escravos”, escreveu em 1817 o botânico e naturalista francês Augustin de Saint-Hilaire, autor de Viagem pelas Províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais. A palavra angu veio da África. Na língua fongbé, falada pelo povo fon (jêje no Brasil), do antigo Daomé (hoje Benin), agou designa uma papa de inhame sem tempero.
Seria lógico que a alimentação dos escravos variasse de acordo com a região do Brasil onde eles se encontravam e da atividade desempenhada, fosse em minas de ouro, engenhos de açúcar, fazendas de gado, cafezais ou serviços urbanos. Mas, segundo Luís da Câmara Cascudo em História da alimentação no Brasil (São Paulo: Global Editora, 2004), isso não acontecia: “A base era idêntica, e apenas a incidência de alguma carne ou pescado para dar gosto distinguia os regimes”.
Em Minas Gerais, o antigo prato dos escravos continua a ser feito com o fubá de granulometria fina e igualmente sem sal. Mas se converte em comida substanciosa por acompanhar tudo, em especial o frango com quiabo ou jiló, a carne ensopada e moída. Com a devida licença da tradição mineira, o angu fica mais apetitoso quando enriquecido com sal e queijo parmesão ralado. Um pouco de manteiga salgada, adicionada por cima no final, atiça a sedução. Joaquim da Costa Pinto Netto, no Caderno de comidas baianas (Salvador: Tempo Brasileiro, 1986), ensina a elaborar o prato: “Quando a água estiver a ferver, já com um pouco de sal, vai-se jogando a farinha aos poucos, ‘em forma de fio’, como se costuma dizer, mexendo sem parar”.
No Rio de Janeiro, o português Manuel Gomes lançou em 1955 um angu batizado com seu sobrenome. Logo ganhou fama. Combina fubá, linguiça e miúdos de boi. Vendido nas ruas em panelões fumegantes transportados por quarenta carrocinhas, matou a fome de operários, taxistas, prostitutas, estudantes, jornalistas, artistas e boêmios em geral. Tom Jobim era freguês do angu do Gomes. As carrocinhas saíram de circulação em 1986, mas hoje existe um endereço com o nome do prato, no Largo de São Francisco da Prainha, 17, na Saúde, que prepara a receita. Além da tradicional, o restaurante Angu do Gomes oferece as versões calabresa, carne moída, frango e vegetariana. O prato esquálido dos escravos virou torpedo nutritivo.
(O Estado de S. Paulo, 15 mar. 2012)
1EM: Introdução aos estudos literários
A repartição dos pães
Clarice Lispector
Era sábado e estávamos convidados para o almoço de obrigação. Mas cada um de nós gostava demais de sábado para gastá-lo com quem não queríamos. Cada um fora alguma vez feliz e ficara com a marca do desejo. Eu, eu queria tudo. E nós ali presos, como se nosso trem tivesse descarrilado e fôssemos obrigados a pousar entre estranhos. Ninguém ali me queria, eu não queria a ninguém. Quanto a meu sábado – que fora da janela se balançava em acácias e sombras – eu preferia, a gastá-lo mal, fechá-lo na mão dura, onde eu o amarfanhava como a um lenço. À espera do almoço, bebíamos sem prazer, à saúde do ressentimento: amanhã já seria domingo. Não é com você que eu quero, dizia nosso olhar sem umidade, e soprávamos devagar a fumaça do cigarro seco. A avareza de não repartir o sábado ia pouco a pouco roendo e avançando como ferrugem, até que qualquer alegria seria um insulto à alegria maior.
Só a dona da casa não parecia economizar o sábado para usá-lo numa quinta de noite. Ela, no entanto, cujo coração já conhecera outros sábados. Como pudera esquecer que se quer mais e mais? Não se impacientava sequer com o grupo heterogêneo, sonhador e resignado que na sua casa só esperava como pela hora do primeiro trem partir, qualquer trem – menos ficar naquela estação vazia, menos ter que refrear o cavalo que correria de coração batendo para outros, outros cavalos.
Passamos afinal à sala para um almoço que não tinha a bênção da fome. E foi quando surpreendidos deparamos com a mesa. Não podia ser para nós...
Era uma mesa para homens de boa-vontade. Quem seria o conviva realmente esperado e que não viera? Mas éramos nós mesmos. Então aquela mulher dava o melhor não importava a quem? E lavava contente os pés do primeiro estrangeiro. Constrangidos, olhávamos.
A mesa fora coberta por uma solene abundância. Sobre a toalha branca amontoavam-se espigas de trigo. E maçãs vermelhas, enormes cenouras amarelas, redondos tomates de pele quase estalando, chuchus de um verde líquido, abacaxis malignos na sua selvageria, laranjas alaranjadas e calmas, maxixes eriçados como porcos-espinhos, pepinos que se fechavam duros sobre a própria carne aquosa, pimentões ocos e avermelhados que ardiam nos olhos – tudo emaranhado em barbas e barbas úmidas de milho, ruivas como junto de uma boca. E os bagos de uva. As mais roxas das uvas pretas e que mal podiam esperar pelo instante de serem esmagadas. E não lhes importava esmagadas por quem. Os tomates eram redondos para ninguém: para o ar, para o redondo ar. Sábado era de quem viesse. E a laranja adoçaria a língua de quem primeiro chegasse. Junto do prato de cada mal-convidado, a mulher que lavava pés de estranhos pusera – mesmo sem nos eleger, mesmo sem nos amar – um ramo de trigo ou um cacho de rabanetes ardentes ou uma talhada vermelha de melancia com seus alegres caroços. Tudo cortado pela acidez espanhola que se adivinhava nos limões verdes. Nas bilhas estava o leite, como se tivesse atravessado com as cabras o deserto dos penhascos. Vinho, quase negro de tão pisado, estremecia em vasilhas de barro. Tudo diante de nós. Tudo limpo do retorcido desejo humano. Tudo como é, não como quiséramos. Só existindo, e todo. Assim como existe um campo. Assim como as montanhas. Assim como homens e mulheres, e não nós, os ávidos. Assim como um sábado. Assim como apenas existe. Existe.
Em nome de nada, era hora de comer. Em nome de ninguém, era bom. Sem nenhum sonho. E nós pouco a pouco a par do dia, pouco a pouco anonimizados, crescendo, maiores, à altura da vida possível. Então, como fidalgos camponeses, aceitamos a mesa.
Não havia holocausto: aquilo tudo queria tanto ser comido quanto nós queríamos comê-lo. Nada guardando para o dia seguinte, ali mesmo ofereci o que eu sentia àquilo que me fazia sentir. Era um viver que eu não pagara de antemão com o sofrimento da espera, fome que nasce quando a boca já está perto da comida. Porque agora estávamos com fome, fome inteira que abrigava o todo e as migalhas. Quem bebia vinho com os olhos tornava conta do leite. Quem lento bebeu o leite sentiu o vinho que o outro bebia. Lá fora, Deus nas acácias. Que existiam. Comíamos. Como quem dá água ao cavalo. A carne trinchada foi distribuída. A cordialidade era rude e rural. Ninguém falou mal de ninguém porque ninguém falou bem de ninguém. Era reunião de colheita, e fez-se trégua. Comíamos. Como uma horda de seres vivos, cobríamos gradualmente a terra. Ocupados como quem lavra a existência, e planta, e colhe, e mata, e vive, e morre, e come. Comi com a honestidade de quem não engana o que come: comi aquela comida e não o seu nome. Nunca Deus foi tão tomado pelo que Ele é. A comida dizia rude, feliz, austera: come, come e reparte. Aquilo tudo me pertencia, aquela era a mesa de meu pai. Comi sem ternura, comi sem a paixão da piedade. E sem me oferecer à esperança. Comi sem saudade nenhuma. E eu bem valia aquela comida. Porque nem sempre posso ser a guarda de meu irmão, e não posso mais ser a minha guarda, ah não me quero mais. E não quero formar a vida porque a existência já existe. Existe como um chão onde nós todos avançamos. Sem uma palavra de amor. Sem uma palavra. Mas teu prazer entende o meu. Nós somos fortes e nós comemos. Pão é amor entre estranhos.
(LISPECTOR, Clarice. A repartição dos pães. In: Felicidade clandestina.
6. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989. p. 89-92.)
6. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989. p. 89-92.)
quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017
2EM: Produção de resumo
Sintetize o texto a seguir em um resumo de 10 a 12 linhas.
Como morreram os dinos
Fernando Reinach
A descoberta de que um asteroide atingiu a Terra e “o mundo mudou”, proposta inicialmente em 1980, foi amplamente comprovada nos últimos 30 anos.
Fernando Reinach
A descoberta de que um asteroide atingiu a Terra e “o mundo mudou”, proposta inicialmente em 1980, foi amplamente comprovada nos últimos 30 anos.
Mas como explicar que nós, que existimos como espécie faz somente 1 milhão de anos, somos capazes de descobrir o que ocorreu 65 milhões de anos atrás?
Os dinossauros passeavam por todo o planeta. Seus ossos são encontrados em escavações na Índia, na China, na Europa e nas três Américas. Quando os cientistas escavam rochas que correspondem a períodos recentes, não encontram ossos de dinossauros. Os ossos só aparecem quando a rocha escavada é de uma época anterior ao fim do Cretáceo, que terminou 65 milhões de anos atrás. O impressionante é que os dinossauros desapareceram simultaneamente de todos os continentes. E não foram só os dinossauros: 60% da biodiversidade desapareceu junto com eles.
Nas rochas em que encontramos os últimos dinossauros também encontramos uma camada de pedras contendo uma grande quantidade de irídio. Essa camada está depositada em todos os continentes e mesmo em poços perfurados no fundo dos oceanos. É como se tivesse chovido irídio sobre o planeta.
Mas a espessura da camada que contém o irídio não é a mesma nos diversos continentes. Na Austrália e no Japão, ela tem menos de 1 centímetro de espessura; perto de Nova York, no Caribe e no oceano ao norte das Guianas, a camada é mais grossa, de 3 a 10 cm de espessura. Nas amostras do sul do México ou do Texas, a grossura da camada dessa “chuva de pedras” é de alguns metros. Mas basta chegar à península de Yucatán e a camada acumulada é de dezenas de metros. E o que você encontra exatamente no centro da região onde a camada é mais espessa? Um imenso buraco redondo, a cratera de Chicxulub.
Ela é enorme, 200 quilômetros de diâmetro. Os geólogos acreditam que a cratera tenha se formado por causa do impacto de um meteorito de mais de 10 km de diâmetro. São as pedras e a poeira (contendo irídio) levantadas por essa colisão que choveram sobre todo o planeta. Foi o fim dos dinossauros.
Soterramento e fome. Tudo bem, dirá seu filho, mas como morreram os dinossauros, cobertos de pedras? No México, talvez eles tenham sido soterrados, mas no resto do planeta eles provavelmente morreram de fome.
A análise dos outros componentes dessa camada de irídio conta o resto da história. No fundo dos oceanos, exatamente na mesma época, a velocidade de acumulação de um composto chamado calcita caiu drasticamente. Ela é sintetizada por pequenos animais marinhos, que combinam o cálcio e o gás carbônico. Os esqueletos de calcita desses animais se acumulam ao longo de milênios, formando grandes montanhas no fundo dos mares, os recifes de corais.
A drástica diminuição na velocidade de deposição de calcita sugere que grande parte desses animais também morreu logo após o impacto do meteorito. Os corais morreram porque se alimentam de algas microscópicas e não havia algas para comerem. E essas algas deixaram de existir porque ficou impossível fazer fotossíntese, como indicado por uma grande alteração na distribuição dos isótopos de carbono nessa época.
O que os cientistas imaginam é que a poeira e os resíduos do impacto do asteroide tornaram a atmosfera opaca por décadas, bloqueando a luz solar. E, sem luz, todo o sistema de produção de alimentos, algas e plantas terrestres parou de funcionar. Sem vegetais para comer, morreram os herbívoros; sem herbívoros para devorar, morreram os carnívoros, entre eles o preferido do meu filho, o Tiranossauro Rex. Foi o fim dos dinossauros e início da expansão dos mamíferos.
Esse acidente planetário mostra quão efêmera é a vida no nosso planeta. Um dia, os dinossauros dominavam o planeta; no outro, estavam extintos. Mas também demonstra o poder de recuperação da Terra. Milhões de anos depois, uma nova leva de seres vivos se espalhou pelo planeta, e o lugar do Tiranossauro Rex foi ocupado por um predador ainda mais perigoso, o Homo sapiens.
(O Estado de S. Paulo, 1º abr. 2010)
sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017
3EM: Pré-Modernismo :: Euclides da Cunha
Leia a seguir trechos destacados de um artigo sobre Euclides da Cunha e Os sertões e, em seguida, identifique conexões entre as ideias desses trechos e as duas passagens de Os sertões reproduzidas na sequência.
CRÍTICA
[...] Sabe-se que a visão de mundo do homem que chegou no alto-sertão da Bahia, com a incumbência de noticiar para um periódico sulista os derradeiros momentos do massacre dos sertanejos de Antonio Conselheiro, estava profundamente mergulhada nos pressupostos e preconceitos advindos do credo cientificista, isto é: evolucionismo, determinismos climático e biológico e, de uma forma mais geral, do positivismo. Por esse caminho, o conceito de sertão era compreendido da forma mais pejorativa possível, desqualificando a terra e a humanidade a ela relacionada, reconhecendo neles a impossibilidade de qualquer desenvolvimento rumo à civilização. Euclides, como boa parte dos intelectuais contemporâneos, compartilhava destas ferramentas mentais que possibilitavam uma maior compreensão da realidade do País. O sertão era percebido como território da barbárie, tal como o conceberam, na primeira metade do século, a elite imperial e o olhar estrangeiro, marcadamente ilustrado. A ideia de sertão sintetizava a representação do outro indesejado e distante, símbolo daquilo que não se poderia conceber como nacional. [...]
Todavia, a opção pelo sertão, convivendo com a crença na civilização e no progresso, tornava a consciência do homem angustiada e sombria, e projetava reflexões que não poderiam deixar de expressar tais tensões. [...]
Sem sombra de dúvida, ecoava nesse momento no pensamento de Euclides um clima de devoção à nação republicana, lutando contra a monstruosa ameaça do núcleo monarquista dos fanáticos sertanejos. Sabe-se, porém, que a imagem de Canudos, esse monstro terrível foi na verdade uma construção feita e alardeada através da imprensa das capitais litorâneas, principalmente a partir da pregação dos devotos jacobinos. Raoul Girardet expôs perfeitamente o poder das mitologias políticas que atuam no plano do alarde conspiratório, em que imagens e informações são construídas e manipuladas por grupos interessados no controle do imaginário. O arraial do Conselheiro seria a tradução da barbárie, a perfeita encarnação do mal. Neste sentido, o pensamento de Euclides se alinha com a ideia de sertão que se tinha naquele momento ao nível do senso comum. Daí, portanto, a importância de Euclides da Cunha, pois seu livro é, acima de tudo, profundo exame de consciência, não só individual, mas possivelmente coletiva. [...]
Nos três pontos em que a narrativa do livro está encadeada, percebemos tacitamente as construções imaginárias, inicialmente de uma espacialidade nacional, em seguida o estabelecimento de um tipo étnico que encarnasse a nação, o sertanejo, e enfim, no momento da luta, o conflito mais grave que é o reconhecimento de que, grosso modo, a República, elemento que até então simbolizava de alguma maneira a ideia de nacionalidade, na cabeça do jornalista Euclides da Cunha presente no ocaso da tragédia, acabou sendo o algoz dos que são os primevos e essenciais brasileiros. [...]
O certo é o seguinte: se pelo caminho da ciência do século XIX, Os Sertões encontra-se preso às amarras de uma visão de mundo marcada por avaliações negativas sobre a terra e o homem do Brasil, pelo caminho do simbolismo mítico, com um substrato essencialmente romântico mesmo não declarado, mas parte integrante do imaginário de sua geração, ele supera os preconceitos e institui novas interpretações às teorias cientificistas vulgarizadas na época. O sertanejo é forte porque conjuga na sua constituição histórica alguns fatores singulares: a reação ao meio arredio, a purificação existencial, resultado do martírio secular da terra e do isolamento de sua formação sócio-histórica e, o mais importante de tudo, encarna, de certa forma, como fruto de uma concepção romântica presente no livro, o estereótipo do bom selvagem rousseauniano. Os Sertões, mais do que um livro em si, é o melhor exemplo da consciência partida de uma geração na busca de sua identidade de povo e nação. Se em 1897 Euclides da Cunha chegou ao arraial de Canudos como mais um repórter, preso às visões civilizadas do litoral sobre o sertão, o confronto com a trágica realidade dilacerou internamente o escritor, transformando o livro em um manifesto a favor da memória dos heróicos seguidores do Conselheiro, afirmando a existência de uma brasilidade sertaneja, como algo essencial à formação histórica do Brasil. [...]
Euclides foi alguém que depositou todas as suas esperanças na razão e na ciência do século de Marx, Comte, Darwin e Spencer; e quis, com estas certezas, interceder e transformar a realidade do País, fazendo com que trilhasse o rumo do progresso e da civilização. Mas sabemos que seus sonhos e esperanças mais concretas se evaporaram como água em pleno ar. Para ele conviver com o fardo dessa derrota na consciência foi algo extremamente dramático. O grande filósofo e historiador das religiões Mircea Eliade, numa passagem extremamente feliz, afirmou que “um homem exclusivamente racional é uma abstração; jamais o encontramos na realidade”, pois a experiência humana está mergulhada num universo de sonhos, mistérios e simbolismos onde a fronteira entre o racional e o irracional pode ser muito mais tênue do que pensa a filosofia ocidental. De certa maneira, cabe a menção à crítica filosófica que Albert Camus fez à ciência moderna em Le Mythe de Sisyphe, onde diz que “toda ciência desta terra não me dará nada que possa assegurar-me que este mundo é meu”. Euclides da Cunha, a quem devemos celebrar sempre pela obra e pelo exemplo de empenho em encontrar soluções que conduzam a um país melhor, à sua maneira vivenciou intensamente o significado trágico desta sentença.
A angústia com sua vida e seu país tomavam conta da mente do escritor, e o homem só via tristeza nas situações que o cercavam. O casamento infeliz, a insatisfação com a profissão e as constantes dificuldades financeiras que, não poucas vezes, o forçavam a trabalhar a contragosto, tornavam para ele a vida um grande martírio. O sertão, o interior, o coração das terras — onde há calma, repouso e paz para o espírito — surgia à sua imaginação como a única possibilidade de felicidade e superação da condição de simples mortal. A nação que não era agravada em sua consciência de ex-mosqueteiro, o sentimento de derrota — que não foi só seu, diga-se de passagem, foi de toda uma geração. Mas ele, muito mais que qualquer outro, exilado na solidão de si mesmo, não teve outra saída senão sonhar com uma salvação, individual e, por vezes, coletiva, a esperá-lo lá onde o Brasil é profundo, nalguma vereda deste grande sertão.
(extraído de: OLIVEIRA, Ricardo de. Euclides da Cunha, Os Sertões e a invenção de um Brasil profundo. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 22, n. 44, p. 511-537, 2002. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-01882002000200012&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 10 Fev. 2017)
TRECHOS DE OS SERTÕES
Abramos um parêntese...
A mistura de raças mui diversas é, na maioria dos casos, prejudicial. Ante as conclusões do evolucionismo, ainda quando reaja sobre o produto o influxo de uma raça superior, despontam vivíssimos estigmas da inferior. A mestiçagem extremada é um retrocesso. O indo-europeu, o negro e o brasílio-guarani ou o tapuia, exprimem estádios evolutivos que se fronteiam, e o cruzamento, sobre obliterar as qualidades preeminentes do primeiro, é um estimulante à revivescência dos atributos primitivos dos últimos. De sorte que o mestiço — traço de união entre as raças, breve existência individual em que se comprimem esforços seculares — é, quase sempre, um desequilibrado. Foville compara-os, de um modo geral, aos histéricos. Mas o desequilíbrio nervoso, em tal caso, é incurável: não há terapêutica para este embater de tendências antagonistas, de raças repentinamente aproximadas, fundidas num organismo isolado. Não se compreende que após divergirem extremadamente, através de largos períodos entre os quais a história é um momento, possam dous ou três povos convergir, de súbito, combinando constituições mentais diversas, anulando em pouco tempo distinções resultantes de um lento trabalho seletivo. Como nas somas algébricas, as qualidades dos elementos que se justapõem não se acrescentam, subtraem-se ou destroem-se segundo os caracteres positivos e negativos em presença. E o mestiço — mulato, mamaluco ou cafuz — menos que um intermediário, é um decaído, sem a energia física dos ascendentes selvagens, sem a altitude intelectual dos ancestrais superiores. Contrastando com a fecundidade que acaso possua, ele revela casos de hibridez moral extraordinários: espíritos fulgurantes, às vezes, mas frágeis, irrequietos, inconstantes, deslumbrando um momento e extinguindo-se prestes, feridos pela fatalidade das leis biológicas, chumbados ao plano inferior da raça menos favorecida. Impotente para formar qualquer solidariedade entre as gerações opostas, de que resulta, reflete-lhes os vários aspectos predominantes num jogo permanente de antíteses. E quando avulta — não são raros os casos — capaz das grandes generalizações ou de associar as mais complexas relações abstratas, todo esse vigor mental repousa (salvante os casos excepcionais cujo destaque justifica o conceito) sobre uma moralidade rudimentar, em que se pressente o automatismo impulsivo das raças inferiores.
(extraído de: CUNHA, Euclides da.; GALVÃO, Walnice Nogueira. Os sertões: edição crítica. São Paulo: Brasiliense, 1985. p. 174-175)
A entrada dos prisioneiros foi comovedora. Vinha solene, na frente, o Beatinho, teso o torso desfibrado, olhos presos no chão, e com o passo cadente e tardo exercitado desde muito nas lentas procissões que compartira. O longo cajado oscilava-lhe à mão direita, isocronamente, feito enorme batuta, compassando a marcha verdadeiramente fúnebre. A um de fundo, a fila extensa, tracejando ondulada curva pelo pendor da colina, seguia na direção do acampamento, passando ao lado do quartel da primeira coluna e acumulando-se, cem metros adiante, em repugnante congérie de corpos repulsivos em andrajos.
Os combatentes contemplavam-nos entristecidos. Surpreendiam-se; comoviam-se. O arraial in extremis, punha-lhes adiante, naquele armistício transitório, uma legião desarmada, mutilada, faminta e claudicante, num assalto mais duro que o das trincheiras em fogo. Custava-lhes admitir que toda aquela gente inútil e frágil saísse tão numerosa ainda dos casebres bombardeados durante três meses. Contemplando-lhes os rostos baços, os arcabouços esmirrados e sujos, cujos molambos em tiras não encobriam lanhos, escaras e escalavros — a vitória tão longamente apetecida decaía de súbito. Repugnava aquele triunfo. Envergonhava. Era, com efeito, contraproducente compensação a tão luxuosos gastos de combates, de reveses e de milhares de vidas, o apresamento daquela caqueirada humana — do mesmo passo angulhenta e sinistra, entre trágica e imunda, passando-lhes pelos olhos, num longo enxurro de carcaças e molambos.
Nem um rosto viril, nem um braço capaz de suspender uma arma, nem um peito resfolegante de campeador domado: mulheres, sem-número de mulheres, velhas espectrais, moças envelhecidas, velhas e moças indistintas na mesma fealdade, escaveiradas e sujas, filhos escanchados nos quadris desnalgados, filhos encarapitados às costas, filhos suspensos aos peitos murchos, filhos afastados pelos braços, passando; crianças, sem-número de crianças; velhos, sem-número de velhos; raros homens, enfermos opilados, faces túmidas e mortas, de cera, bustos dobrados, andar cambaleante.
(extraído de: CUNHA, Euclides da.; GALVÃO, Walnice Nogueira. Os sertões: edição crítica. São Paulo: Brasiliense, 1985. p. 566)
quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017
2EM: Texto para exercício com substantivos
Verdes mares bravios de minha terra natal, onde canta a jandaia nas frondes da carnaúba;
Verdes mares, que brilhais como líquida esmeralda aos raios do sol nascente, perlongando as alvas praias ensombradas de coqueiros;
Serenai, verdes mares, e alisai docemente a vaga impetuosa, para que o barco aventureiro manso resvale à flor das águas.
Onde vai a afouta jangada, que deixa rápida a costa cearense, aberta ao fresco terral a grande vela?
Onde vai como branca alcíone buscando o rochedo pátrio nas solidões do oceano?
Três entes respiram sobre o frágil lenho que vai singrando veloce, mar em fora.
Um jovem guerreiro cuja tez branca não cora o sangue americano; uma criança e um rafeiro que viram a luz no berço das florestas, e brincam irmãos, filhos ambos da mesma terra selvagem.
A lufada intermitente traz da praia um eco vibrante, que ressoa entre o marulho das vagas:
— Iracema!
O moço guerreiro, encostado ao mastro, leva os olhos presos na sombra fugitiva da terra; a espaços o olhar empanado por tênue lágrima cai sobre o jirau, onde folgam as duas inocentes criaturas, companheiras de seu infortúnio.
Nesse momento o lábio arranca d'alma um agro sorriso.
Que deixara ele na terra do exílio?
Uma história que me contaram nas lindas várzeas onde nasci, à calada da noite, quando a lua passeava no céu argenteando os campos, e a brisa rugitava nos palmares.
Refresca o vento.
O rulo das vagas precipita. O barco salta sobre as ondas e desaparece no horizonte. Abre-se a imensidade dos mares, e a borrasca enverga, como o condor, as foscas asas sobre o abismo.
Deus te leve a salvo, brioso e altivo barco, por entre as vagas revoltas, e te poje nalguma enseada amiga. Soprem para ti as brandas auras; e para ti jaspeie a bonança mares de leite!
Enquanto vogas assim à discrição do vento, airoso barco, volva às brancas areias a saudade, que te acompanha, mas não se parte da terra onde revoa.
(ALENCAR, José. Iracema. cap. I)
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