6EF
https://sites.google.com/colegionotredame.com.br/6ef-africa-quadrinhos
7EF
https://sites.google.com/colegionotredame.com.br/7ef-viagem-pela-africa
8EF
https://sites.google.com/colegionotredame.com.br/8ef-rotadaescravidao
https://sites.google.com/colegionotredame.com.br/8ef-navio-negreiro
https://sites.google.com/colegionotredame.com.br/8ef-senzala
https://sites.google.com/colegionotredame.com.br/8ef-orixas
9EF
https://sites.google.com/colegionotredame.com.br/9ef-africa-poema-concreto
Deslogado
sexta-feira, 19 de outubro de 2018
quarta-feira, 9 de maio de 2018
2EM: Conto
Negrinha
Monteiro Lobato
Negrinha era uma pobre órfã de sete anos. Preta? Não; fusca, mulatinha escura, de cabelos ruços e olhos assustados.
Nascera na senzala, de mãe escrava, e seus primeiros anos vivera-os pelos cantos escuros da cozinha, sobre velha esteira e trapos imundos. Sempre escondida, que a patroa não gostava de crianças.
Excelente senhora, a patroa. Gorda, rica, dona do mundo, amimada dos padres, com lugar certo na igreja e camarote de luxo reservado no céu. Entaladas as banhas no trono (uma cadeira de balanço na sala de jantar), ali bordava, recebia as amigas e o vigário, dando audiências, discutindo o tempo. Uma virtuosa senhora em suma — “dama de grandes virtudes apostólicas, esteio da religião e da moral”, dizia o reverendo.
Ótima, a dona Inácia.
Mas não admitia choro de criança. Ai! Punha-lhe os nervos em carne viva. Viúva sem filhos, não a calejara o choro da carne de sua carne, e por isso não suportava o choro da carne alheia. Assim, mal vagia, longe, na cozinha, a triste criança, gritava logo nervosa:
— Quem é a peste que está chorando aí?
Quem havia de ser? A pia de lavar pratos? O pilão? O forno? A mãe da criminosa abafava a boquinha da filha e afastava-se com ela para os fundos do quintal, torcendo-lhe em caminho beliscões de desespero.
— Cale a boca, diabo!
No entanto, aquele choro nunca vinha sem razão. Fome quase sempre, ou frio, desses que entanguem pés e mãos e fazem-nos doer...
Assim cresceu Negrinha — magra, atrofiada, com os olhos eternamente assustados. Órfã aos quatro anos, por ali ficou feito gato sem dono, levada a pontapés. Não compreendia a ideia dos grandes. Batiam-lhe sempre, por ação ou omissão. A mesma coisa, o mesmo ato, a mesma palavra provocava ora risadas, ora castigos. Aprendeu a andar, mas quase não andava. Com pretextos de que às soltas reinaria no quintal, estragando as plantas, a boa senhora punha-a na sala, ao pé de si, num desvão da porta.
— Sentadinha aí, e bico, hein?
Negrinha imobilizava-se no canto, horas e horas.
— Braços cruzados, já, diabo!
Cruzava os bracinhos a tremer, sempre com o susto nos olhos. E o tempo corria. E o relógio batia uma, duas, três, quatro, cinco horas — um cuco tão engraçadinho! Era seu divertimento vê-lo abrir a janela e cantar as horas com a bocarra vermelha, arrufando as asas. Sorria-se então por dentro, feliz um instante.
Puseram-na depois a fazer crochê, e as horas se lhe iam a espichar trancinhas sem fim.
Que ideia faria de si essa criança que nunca ouvira uma palavra de carinho? Pestinha, diabo, coruja, barata descascada, bruxa, pata-choca, pinto gorado, mosca-morta, sujeira, bisca, trapo, cachorrinha, coisa-ruim, lixo — não tinha conta o número de apelidos com que a mimoseavam. Tempo houve em que foi a bubônica. A epidemia andava na berra, como a grande novidade, e Negrinha viu-se logo apelidada assim — por sinal que achou linda a palavra. Perceberam-no e suprimiram-na da lista. Estava escrito que não teria um gostinho só na vida — nem esse de personalizar a peste...
O corpo de Negrinha era tatuado de sinais, cicatrizes, vergões. Batiam nele os da casa todos os dias, houvesse ou não houvesse motivo. Sua pobre carne exercia para os cascudos, cocres e beliscões a mesma atração que o ímã exerce para o aço. Mãos em cujos nós de dedos comichasse um cocre, era mão que se descarregaria dos fluidos em sua cabeça. De passagem. Coisa de rir e ver a careta...
A excelente dona Inácia era mestra na arte de judiar de crianças. Vinha da escravidão, fora senhora de escravos — e daquelas ferozes, amigas de ouvir cantar o bolo e estalar o bacalhau. Nunca se afizera ao regime novo — essa indecência de negro igual a branco e qualquer coisinha: a polícia! “Qualquer coisinha”: uma mucama assada ao forno porque se engraçou dela o senhor; uma novena de relho porque disse: “Como é ruim, a sinhá!”...
O 13 de Maio tirou-lhe das mãos o azorrague, mas não lhe tirou da alma a gana. Conservava Negrinha em casa como remédio para os frenesis. Inocente derivativo:
— Ai! Como alivia a gente uma boa roda de cocres bem fincados!...
Tinha de contentar-se com isso, judiaria miúda, os níqueis da crueldade. Cocres: mão fechada com raiva e nós de dedos que cantam no coco do paciente. Puxões de orelha: o torcido, de despegar a concha (bom! bom! bom! gostoso de dar) e o a duas mãos, o sacudido. A gama inteira dos beliscões: do miudinho, com a ponta da unha, à torcida do umbigo, equivalente ao puxão de orelha. A esfregadela: roda de tapas, cascudos, pontapés e safanões a uma — divertidíssimo! A vara de marmelo, flexível, cortante: para “doer fino” nada melhor!
Era pouco, mas antes isso do que nada. Lá de quando em quando vinha um castigo maior para desobstruir o fígado e matar as saudades do bom tempo. Foi assim com aquela história do ovo quente.
Não sabem! Ora! Uma criada nova furtara do prato de Negrinha — coisa de rir — um pedacinho de carne que ela vinha guardando para o fim. A criança não sofreou a revolta — atirou-lhe um dos nomes com que a mimoseavam todos os dias.
— “Peste?” Espere aí! Você vai ver quem é peste — e foi contar o caso à patroa.
Dona Inácia estava azeda, necessitadíssima de derivativos. Sua cara iluminou-se.
— Eu curo ela! — disse, e desentalando do trono as banhas foi para a cozinha, qual perua choca, a rufar as saias.
— Traga um ovo.
Veio o ovo. Dona Inácia mesmo pô-lo na água a ferver; e de mãos à cinta, gozando-se na prelibação da tortura, ficou de pé uns minutos, à espera. Seus olhos contentes envolviam a mísera criança que, encolhidinha a um canto, aguardava trêmula alguma coisa de nunca visto. Quando o ovo chegou a ponto, a boa senhora chamou:
— Venha cá!
Negrinha aproximou-se.
— Abra a boca!
Negrinha abriu aboca, como o cuco, e fechou os olhos. A patroa, então, com uma colher, tirou da água “pulando” o ovo e zás! na boca da pequena. E antes que o urro de dor saísse, suas mãos amordaçaram-na até que o ovo arrefecesse. Negrinha urrou surdamente, pelo nariz. Esperneou. Mas só. Nem os vizinhos chegaram a perceber aquilo. Depois:
— Diga nomes feios aos mais velhos outra vez, ouviu, peste?
E a virtuosa dama voltou contente da vida para o trono, a fim de receber o vigário que chegava.
— Ah, monsenhor! Não se pode ser boa nesta vida... Estou criando aquela pobre órfã, filha da Cesária — mas que trabalheira me dá!
— A caridade é a mais bela das virtudes cristãs, minha senhora — murmurou o padre.
— Sim, mas cansa...
— Quem dá aos pobres empresta a Deus.
A boa senhora suspirou resignadamente.
— Inda é o que vale...
Certo dezembro vieram passar as férias com Santa Inácia duas sobrinhas suas, pequenotas, lindas meninas louras, ricas, nascidas e criadas em ninho de plumas.
Do seu canto na sala do trono, Negrinha viu-as irromperem pela casa como dois anjos do céu — alegres, pulando e rindo com a vivacidade de cachorrinhos novos. Negrinha olhou imediatamente para a senhora, certa de vê-la armada para desferir contra os anjos invasores o raio dum castigo tremendo.
Mas abriu a boca: a sinhá ria-se também... Quê? Pois não era crime brincar? Estaria tudo mudado — e findo o seu inferno — e aberto o céu? No enlevo da doce ilusão, Negrinha levantou-se e veio para a festa infantil, fascinada pela alegria dos anjos.
Mas a dura lição da desigualdade humana lhe chicoteou a alma. Beliscão no umbigo, e nos ouvidos, o som cruel de todos os dias: “Já para o seu lugar, pestinha! Não se enxerga”?
Com lágrimas dolorosas, menos de dor física que de angústia moral —sofrimento novo que se vinha acrescer aos já conhecidos — a triste criança encorujou-se no cantinho de sempre.
— Quem é, titia? — perguntou uma das meninas, curiosa.
— Quem há de ser? — disse a tia, num suspiro de vítima. — Uma caridade minha. Não me corrijo, vivo criando essas pobres de Deus... Uma órfã. Mas brinquem, filhinhas, a casa é grande, brinquem por aí afora.
— Brinquem! Brincar! Como seria bom brincar! — refletiu com suas lágrimas, no canto, a dolorosa martirzinha, que até ali só brincara em imaginação com o cuco.
Chegaram as malas e logo:
— Meus brinquedos! — reclamaram as duas meninas.
Uma criada abriu-as e tirou os brinquedos.
Que maravilha! Um cavalo de pau!... Negrinha arregalava os olhos. Nunca imaginara coisa assim tão galante. Um cavalinho! E mais... Que é aquilo? Uma criancinha de cabelos amarelos... que falava “mamã”... que dormia...
Era de êxtase o olhar de Negrinha. Nunca vira uma boneca e nem sequer sabia o nome desse brinquedo. Mas compreendeu que era uma criança artificial.
— É feita?... — perguntou, extasiada.
E dominada pelo enlevo, num momento em que a senhora saiu da sala a providenciar sobre a arrumação das meninas, Negrinha esqueceu o beliscão,o ovo quente, tudo, e aproximou-se da criatura de louça. Olhou-a com assombrado encanto, sem jeito, sem ânimo de pegá-la.
As meninas admiraram-se daquilo.
— Nunca viu boneca?
— Boneca? — repetiu Negrinha. — Chama-se Boneca?
Riram-se as fidalgas de tanta ingenuidade.
— Como é boba! — disseram. — E você como se chama?
— Negrinha.
As meninas novamente torceram-se de riso; mas vendo que o êxtase da bobinha perdurava, disseram, apresentando-lhe a boneca:
— Pegue!
Negrinha olhou para os lados, ressabiada, como coração aos pinotes. Que ventura, santo Deus! Seria possível? Depois pegou a boneca. E muito sem jeito, como quem pega o Senhor menino, sorria para ela e para as meninas, com assustados relanços de olhos para a porta. Fora de si, literalmente... era como se penetrara no céu e os anjos a rodeassem, e um filhinho de anjo lhe tivesse vindo adormecer ao colo. Tamanho foi o seu enlevo que não viu chegar a patroa, já de volta. Dona Inácia entreparou, feroz, e esteve uns instantes assim, apreciando a cena.
Mas era tal a alegria das hóspedes ante a surpresa extática de Negrinha, e tão grande a força irradiante da felicidade desta, que o seu duro coração afinal bambeou. E pela primeira vez na vida foi mulher. Apiedou-se.
Ao percebê-la na sala Negrinha havia tremido, passando-lhe num relance pela cabeça a imagem do ovo quente e hipóteses de castigos ainda piores. E incoercíveis lágrimas de pavor assomaram-lhe aos olhos.
Falhou tudo isso, porém. O que sobreveio foi a coisa mais inesperada do mundo — estas palavras, as primeiras que ela ouviu, doces, na vida:
— Vão todas brincar no jardim, e vá você também, mas veja lá, hein?
Negrinha ergueu os olhos para a patroa, olhos ainda de susto e terror. Mas não viu mais a fera antiga. Compreendeu vagamente e sorriu.
Se alguma vez a gratidão sorriu na vida, foi naquela surrada carinha...
Varia a pele, a condição, mas a alma da criança é a mesma — na princesinha e na mendiga. E para ambos é a boneca o supremo enlevo. Dá a natureza dois momentos divinos à vida da mulher: o momento da boneca — preparatório —, e o momento dos filhos — definitivo. Depois disso, está extinta a mulher.
Negrinha, coisa humana, percebeu nesse dia da boneca que tinha uma alma. Divina eclosão! Surpresa maravilhosa do mundo que trazia em si e que desabrochava, afinal, como fulgurante flor de luz. Sentiu-se elevada à altura de ente humano. Cessara de ser coisa — e doravante ser-lhe-ia impossível viver a vida de coisa. Se não era coisa! Se sentia! Se vibrava!
Assim foi — e essa consciência a matou.
Terminadas as férias, partiram as meninas levando consigo a boneca, e a casa voltou ao ramerrão habitual. Só não voltou a si Negrinha. Sentia-se outra, inteiramente transformada.
Dona Inácia, pensativa, já a não atazanava tanto, e na cozinha uma criada nova, boa de coração, amenizava-lhe a vida.
Negrinha, não obstante, caíra numa tristeza infinita. Mal comia e perdera a expressão de susto que tinha nos olhos. Trazia-os agora nostálgicos, cismarentos.
Aquele dezembro de férias, luminosa rajada de céu trevas adentro do seu doloroso inferno, envenenara-a.
Brincara ao sol, no jardim. Brincara!... Acalentara, dias seguidos, a linda boneca loura, tão boa, tão quieta, a dizer mamã, a cerrar os olhos para dormir. Vivera realizando sonhos da imaginação. Desabrochara-se de alma.
Morreu na esteirinha rota, abandonada de todos, como um gato sem dono. Jamais, entretanto, ninguém morreu com maior beleza. O delírio rodeou-a de bonecas, todas louras, de olhos azuis. E de anjos... E bonecas e anjos remoinhavam-lhe em torno, numa farândola do céu. Sentia-se agarrada por aquelas mãozinhas de louça — abraçada, rodopiada.
Veio a tontura; uma névoa envolveu tudo. E tudo regirou em seguida, confusamente, num disco. Ressoaram vozes apagadas, longe, e pela última vez o cuco lhe apareceu de boca aberta.
Mas, imóvel, sem rufar as asas.
Foi-se apagando. O vermelho da goela desmaiou...
E tudo se esvaiu em trevas.
Depois, vala comum. A terra papou com indiferença aquela carnezinha de terceira — uma miséria, trinta quilos mal pesados...
E de Negrinha ficaram no mundo apenas duas impressões. Uma cômica, na memória das meninas ricas.
— “Lembras-te daquela bobinha da titia, que nunca vira boneca?”
Outra de saudade, no nó dos dedos de dona Inácia.
— “Como era boa para um cocre!...”
terça-feira, 27 de junho de 2017
sexta-feira, 26 de maio de 2017
3EM: Modernismo
Oswald de Andrade
Leitura do artigo Ruptura e incorporação: a utopia antropofágica de Oswald de Andrade, de Ricardo Luiz de Souza.
Leitura do artigo Ruptura e incorporação: a utopia antropofágica de Oswald de Andrade, de Ricardo Luiz de Souza.
quinta-feira, 2 de março de 2017
2EM: Produção de resumo
Resuma, num texto de 12 a 15 linhas, o artigo Ombudsgirl, de Roseli Fischmann.
quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017
2EM: Produção de resumo
O texto a seguir é de tipo predominantemente argumentativo. Levando isso em consideração, resuma-o em no mínimo 12 e no máximo 15 linhas.
Lições do churrascão
A polêmica da estação Angélica parece indicar que os paulistanos se cansaram de projetos anunciados e desmentidos ao sabor das pressões de interesses
Raquel Rolnik
Em protesto contra a reação negativa de moradores de Higienópolis, um dos bairros mais nobres de São Paulo, à construção de uma estação de metrô na Avenida Angélica, internautas marcaram através do Facebook um churrascão em frente ao Shopping Higienópolis. A polêmica estourou na web a partir do anúncio, por parte da Companhia do Metrô, de que a nova estação da Linha 6 não seria mais localizada na Angélica. Na sexta-feira pela manhã, quando o proponente decidiu cancelar o churrasco, quase 50 mil pessoas já haviam aderido ao protesto e o assunto ganhara as páginas dos jornais, com discussões técnicas sobre a localização da estação, análises sociológicas sobre o comportamento dos moradores contra e a favor da estação e declarações de representantes do Metrô procurando negar qualquer motivação que não fosse "estritamente técnica" em sua decisão.
Para além do debate sobre a melhor localização da nova estação, e até mesmo da prioridade dessa estação (e dessa linha!) em relação às gigantescas demandas de transporte coletivo de qualidade na região metropolitana de São Paulo, a polêmica dos últimos dias finalmente desnudou dois temas da maior importância para o urbanismo brasileiro, cuja discussão esteve restrita até agora a pequenos círculos acadêmicos e, com esse debate, ganha as ruas da cidade.
O primeiro tem a ver com o modelo de cidade que tem orientado o desenvolvimento de São Paulo (e das cidades brasileiras) pelo menos desde o final do séc 19: um urbanismo segundo o qual "qualidade" é sinônimo de "exclusividade". Sua produção e hegemonia na política urbana se sustentam por meio de uma coalizão de interesses econômicos com grande capacidade de influenciar as decisões políticas de investimentos e legislação na cidade.
O nascimento do bairro de Higienópolis no final do século 19, na sequência de empreendimentos semelhantes (Campos Elísios, Vila Buarque, Av. Paulista) revela este mecanismo: o abandono dos velhos sobrados de taipa no triângulo central por chateaux, chalets e cottages circundados por jardins nos novos bairros se beneficiou da construção do Viaduto do Chá, em um movimento que aliou uma reterritorialização das elites ao emergente negócio de terras — o loteamento. Foi essa a trajetória de d. Angélica, filha do Barão de Souza Queiroz, que, ao deixar de viver em sua fazenda, em 1874, fixou residência na Chácara das Palmeiras, onde mandou edificar na esquina da Angélica com a Al. Barros uma réplica do castelo de Charlottenburg, conforme planos, materiais e decoração encomendados na Alemanha.
O prestígio dessas nobres residências contribuiu indubitavelmente para o sucesso dos "loteamentos exclusivos", abertos na cidade na década de 1890. Sua localização — a Chácara do Carvalho e o Palácio de Elias Chaves nos Campos Elísios, o palacete da Vila Maria na Vila Buarque e o palacete de d. Angélica em Higienópolis — coincidia exatamente com a dos primeiros empreendimentos desse tipo. A construção do Viaduto do Chá foi fundamental para essa marcha ao sudoeste que se seguiria. Sua instalação viabilizaria os mais importantes empreendimentos imobiliários do final do século 19: Higienópolis e Paulista. Neles se envolveram proprietários de terras, investidores potenciais, engenheiros e políticos.
Na esteira de investimentos urbanos (esses bairros já eram abertos contando com rede de água, esgoto, gás e bonde, quando seus contemporâneos bairros operários Brás e Mooca, por exemplo, demoraram décadas para receber a mesma infraestrutura), uma legislação urbanística garantia a exclusividade, definindo um padrão de grandes lotes, uso exclusivamente residencial e obrigatoriedade de recuos. A verticalização do bairro de Higienópolis, que se intensificou a partir dos anos 70, mudou esse perfil, mas não desconstruiu, simbolicamente, o projeto.
A resistência que o bairro tem hoje para receber uma estação de metrô está justamente relacionada com a sua possível popularização e, consequentemente, a desvalorização imobiliária — uma postura rejeitada por muitos, inclusive moradores do próprio bairro, como bem demonstram as manifestações dos internautas, que ao rejeitá-la, afirmam o desejo de uma cidade heterogênea, multiclassista, multiétnica e multifuncional.
A direção do Metrô afirmou em nota oficial que a decisão de mudar a localização da estação se deu por razões técnicas (excessiva proximidade entre as estações Angélica e Higienópolis/Mackenzie) e não para atender à solicitação de moradores insatisfeitos. Entretanto, os anúncios (e "desanúncios") de linhas e estações, metrôs que viram monotrilhos e corredores de ônibus que aparecem e desaparecem dos "planos" do governo evidenciam um segundo ponto essencial que bloqueia o desenvolvimento de um urbanismo de qualidade para todos: o processo decisório dos investimentos da cidade.
Na ausência de um processo de planejamento estável — aliado a uma estratégia urbanística pactuada coletivamente na cidade —, os planos e projetos são anunciados e desmentidos ao sabor das pressões dos interesses que conseguem ter acesso à mesa de decisão. Aqui, mais uma vez, convergem de forma perversa coalizões de interesses econômicos enlaçados — por relações pessoais ou de classe — com interesses políticos.
O recado que a polêmica da estação Angélica parece dar é que os cidadãos paulistanos estão cada vez mais cansados desse modelo.
Raquel Rolnik é urbanista, professora da Faculdade
de Arquitetura e Urbanismo da USP.
de Arquitetura e Urbanismo da USP.
(extraído de: O Estado de S. Paulo, 14 maio 2011.)
terça-feira, 21 de fevereiro de 2017
1EM: Introdução aos estudos literários
Enquanto a chuva cai
Manuel Bandeira
A chuva cai. O ar fica mole...
Indistinto... ambarino... gris...
E no monótono matiz
Da névoa enovelada bole
A folhagem como o bailar.
Torvelinhai, torrentes do ar!
Cantai, ó bátega chorosa,
As velhas árias funerais.
Minh'alma sofre e sonha e goza
À cantilena dos beirais.
Meu coração está sedento
De tão ardido pelo pranto.
Dai um brando acompanhamento
À canção do meu desencanto.
Volúpia dos abandonados...
Dos sós... — ouvir a água escorrer,
Lavando o tédio dos telhados
Que se sentem envelhecer...
Ó caro ruído embalador,
Terno como a canção das amas!
Canta as baladas que mais amas,
Para embalar a minha dor!
A chuva cai. A chuva aumenta.
Cai, benfazeja, a bom cair!
Contenta as árvores! Contenta
As sementes que vão abrir!
Eu te bendigo, água que inundas!
Ó água amiga das raízes,
Que na mudez das terras fundas
Às vezes são tão infelizes!
E eu te amo! Quer quando fustigas
Ao sopro mau dos vendavais
As grandes árvores antigas,
Quer quando mansamente cais.
É que na tua voz selvagem,
Voz de cortante, álgida mágoa,
Aprendi na cidade a ouvir
Como um eco que vem na aragem
A estrugir, rugir e mugir,
O lamento das quedas-d'água!
Canção do amor imprevisto
Mario Quintana
Eu sou um homem fechado.
O mundo me tornou egoísta e mau.
E a minha poesia é um vício triste,
Desesperado e solitário
Que eu faço tudo por abafar.
Mas tu apareceste com a tua boca fresca de madrugada,
Com o teu passo leve,
Com esses teus cabelos...
E o homem taciturno ficou imóvel, sem compreender
nada, numa alegria atônita...
A súbita, a dolorosa alegria de um espantalho inútil
Aonde viessem pousar os passarinhos.
Manuel Bandeira
A chuva cai. O ar fica mole...
Indistinto... ambarino... gris...
E no monótono matiz
Da névoa enovelada bole
A folhagem como o bailar.
Torvelinhai, torrentes do ar!
Cantai, ó bátega chorosa,
As velhas árias funerais.
Minh'alma sofre e sonha e goza
À cantilena dos beirais.
Meu coração está sedento
De tão ardido pelo pranto.
Dai um brando acompanhamento
À canção do meu desencanto.
Volúpia dos abandonados...
Dos sós... — ouvir a água escorrer,
Lavando o tédio dos telhados
Que se sentem envelhecer...
Ó caro ruído embalador,
Terno como a canção das amas!
Canta as baladas que mais amas,
Para embalar a minha dor!
A chuva cai. A chuva aumenta.
Cai, benfazeja, a bom cair!
Contenta as árvores! Contenta
As sementes que vão abrir!
Eu te bendigo, água que inundas!
Ó água amiga das raízes,
Que na mudez das terras fundas
Às vezes são tão infelizes!
E eu te amo! Quer quando fustigas
Ao sopro mau dos vendavais
As grandes árvores antigas,
Quer quando mansamente cais.
É que na tua voz selvagem,
Voz de cortante, álgida mágoa,
Aprendi na cidade a ouvir
Como um eco que vem na aragem
A estrugir, rugir e mugir,
O lamento das quedas-d'água!
Canção do amor imprevisto
Mario Quintana
Eu sou um homem fechado.
O mundo me tornou egoísta e mau.
E a minha poesia é um vício triste,
Desesperado e solitário
Que eu faço tudo por abafar.
Mas tu apareceste com a tua boca fresca de madrugada,
Com o teu passo leve,
Com esses teus cabelos...
E o homem taciturno ficou imóvel, sem compreender
nada, numa alegria atônita...
A súbita, a dolorosa alegria de um espantalho inútil
Aonde viessem pousar os passarinhos.
Antes de viajar
Eugenio Montale
(tradução de Geraldo Holanda Cavalcanti)
Antes de viajar examinam-se os horários,
as conexões, as escalas, os pernoites
e as reservas (de quarto com banheira
ou chuveiro, com uma cama ou duas ou logo de uma vez um flat);
consulta-se
o guia Hachette e os dos museus,
faz-se o câmbio, separam-se
os francos dos escudos, os rublos dos copeques,
antes de viajar informa-se
a algum amigo ou parente, controlam-se
valises e passaportes, completa-se
o enxoval, compra-se uma reserva
de lâminas de barbear, ocasionalmente
dá-se uma olhada no testamento, pura
superstição porque os desastres aéreos
em termos percentuais não são nada;
antes
de viajar está-se tranquilo mas suspeita-se que
o homem sábio não se move e que o prazer
de voltar para casa custa um despropósito.
E após parte-se e tudo é O.K. e tudo
acontece da melhor maneira e é inútil
............................................................................
E agora o que será
da minha viagem?
Com demasiado cuidado a preparei
sem saber nada dela. Um imprevisto
é a única esperança. Mas me dizem
que é uma bobagem dizê-lo.
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